sexta-feira, 18 de junho de 2010

SARAMAGASTE?



EU SARAMAGO
TU SARAMAGAS
ELE SARAMAGA
NÓS SARAMAGAMOS
VÓS SARAMAGAIS
ELES SARAMAGAM

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Livros... melhor não tê-los!

Hoje eu fiz uma doação de livros.
Não é a primeira vez que faço isso, já que, depois de muita convivência com eles, cheguei à conclusão de livros procriam.
Sim: um belo dia, você olha sua estante e vê que aquele lindo exemplarzinho está acompanhado de uma exemplarzinha. É dito e feito: quando você se dá conta, a estante já está tomada.
Então, de tempos em tempos, eu despacho todo mundo. Dou alguns para pessoas que sei que vão usar, outros dou lá no sebo e ganho uns trocados, outros vão para reciclagem.
Mas esta última leva foi diferente.
Nela estavam meus companheiros antigos: sabe aquelas edições Bom Livro, da Ática, já meio carcomidas de tanto uso. Pois é. Foram embora. Foram-se Iracema, um monte de Machados, uma coleção inteirinha de Romantismo e Realismo e - pasmem! - um bocado de Modernistas. Sim, tive a audácia de despachar um Andrade atrás do outro. Até Vinicius.
Tudo bem que deixei na biblioteca municipal, com a recomendação expressa de que o que eu deixava ali era muito importante, e que pedia apenas para que guardassem para mim aquelas cinco caixas pesadas. Delas saíam as cabeças de vários livros e não minto que cheguei a pensar em catar alguns e trazer de volta.
Acho que hoje fiz uma coisa importante. Parece que passei uma régua numa fase da vida quando me separei daqueles livros. É claro que deixá-los lá foi simplesmente ficar livre de um peso. O que deles é importante está aqui dentro e não sai nunca.
Mas me deu uma certa dor no coração. Mas tinha de ser feito. Se livros têm vida, como acredito que tenham, também devem circular...
E espaço na estante é tudo de bom.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O espírito do Espiritismo

Depois do sucesso do filme de Bezerra de Menezes, agora é a vida de Chico Xavier que está sendo levada ao cinema. E a coisa não para por aí: a obra Nosso Lar, que conta a vida depois da morte do espírito de André Luís, vai virar superprodução. (E já tem até novelinha da Globo pegando carona na onda.)
Em decorrência disso, o assunto tem surgido aqui e ali. Ouço comentários, leio posts, assisto a vídeos e programas televisivos sobre o Espiritismo.
Hoje eu gostaria de comentar um pouco o assunto.
Já li o Evangelho Segundo Espiritismo, O Livro dos Espíritos e Nosso Lar. Assisti aos dois filmes que mencionei no início. Também já frequentei alguns centros espíritas, embora sem uma continuidade ou um trabalho mais efetivo. Fui como "ouvinte". Já recorri a espíritas experientes, que me ajudaram em momentos difíceis, e faço o evangelho no lar semanalmente.
Algumas pessoas me perguntam se sou espírita, mas me sinto um pouco desconfortável em dizer que sim. Não tenho medo nem preconceito. Apenas acho que ser espírita não é somente ciscar o assunto, ler um livro ou xeretar fenômenos. O "espírito do Espiritismo" extrapola muito tudo isso e, antes de se dizer espírita, sinto que preciso ser mais do que um curioso.
É neste ponto que gostaria de tocar.
Primeiro, preciso expor como vejo alguns assuntos relacionados ao mundo do Espiritismo.
Para começo de conversa, não gosto do nome "Espiritismo". Essa palavra está muito associada ao termo "espírito" e aí reside um dos grandes problemas do código de Kardec.
Muitas pessoas ligam-se ao Espiritismo atraídas pelos fenômenos. De fato, eles são impressionantes. A possibilidade de conversar ou manter um contato com uma pessoa que está morta é fascinante, mexe com valores e emoções que não conseguimos gerenciar racionalmente. É um misto de medo, atração e emotividade que ofusca nossa mente. A experiência extrassensorial é avassaladora, invade todos os cantos obscuros da pessoa que somos e nos coloca abertos. A própria codificação kardecisca explica que isso é necessário como uma espécie de "chamariz" - e cumpre seu papel.
O problema acontece, porém, quando vemos que muitas pessoas acreditam que ser espírita realmente se restrige a isso.
E não é.
O Espiritismo é uma religião e, como tal, tem uma codificação. E essa moral tem sido relegada a segundo plano em favor dos fenômenos.
Eu tenho bronca disso, porque é como se comer a embalagem e se jogar fora o alimento.
A codificação do Espiritismo é a essência, a razão de ser de todo o resto. E mais: é belíssima, consoladora e coloca em outros patamares a vivência de qualquer pessoa.
Alguns conceitos são extremamente simples - como deve ser toda codificação religiosa - e, ainda assim, de um significado tão profundo, que não se escapa ileso dele.
Dentro da moral espírita, por exemplo, não se aceitam mistérios.
Isso é de um valor e uma de honestidade que nunca vi em qualquer outro lugar. Não existem grandes detentores de grandes e ocultas verdades, escondidas atrás de símbolos e códigos, mistificados em seitas ocultas. Tudo o que deve ser dito assim o é. De modo simples, claro e passível de compreensão por qualquer pessoa. O que vem em invólucro místico não é Espiritismo.
Também dentro da moral espírita existe um princípio muito importante: ninguém além de você controla sua vida. Se um bem é feito, ele provoca bem-estar. Se uma pessoa age de modo a provocar maldades, isso cria problemas para ela. Usando um exemplo do próprio Livro dos Espíritos, nas minhas palavras, se a baixela de porcelana da família quebrou na sua mão, isso não foi por causa de um mau espírito, mas foi sua falta de jeito.
Isso é uma ideia simples, mas muito significativa.
Uma pessoa que leva uma vida baseada em bons princípios, vive melhor do que aquela pessoa que se entrega ao crime, por exemplo. Por isso, fazer o bem, em qualquer circustância, é o certo.
Disso vem uma verdadeira obsessão do Espiritismo, que é a caridade.
A máxima de que "sem caridade não há salvação" é um bordão espírita. Quando vejo uma grande tragédia - como temos tanto visto, por aí - fica evidente o sentido disso.
A palavra "salvação", a meu ver, não tem o sentido católico de "salvar a alma", mas o sentido bem terreno de "salvar a própria pele".
Dependemos da caridade dos outros todos os dias e fazemos essa mesma caridade quando somos solicitados. Isso nos faz bem e ponto final. É a cesta básica que doamos, mas também aquele sorriso, o momento de paciência com uma pessoa perturbada. Isso salva nosso momento, salva nosso dia - essa caridade é a nossa salvação. Sem as pequenas e grandes caridades, nossa vida, esta mesma,  não tem jeito. Às vezes temos dias horríveis - somos ignorados, xingados, passamos por humilhações ou estresse físico, mental, moral e psicológico... e quanto valor, quanta luz nos joga nesse dia um gesto despretensioso de bondade de alguém - uma mão que pega um objeto derrubado no chão, e que vem com um sorriso; um bebê que nos dá uma risadona, uma carona numa sombrinha... É o que chegamos em casa contando. É a caridade sem a qual não nos salvamos.
E nossa caridade parece que nunca pareceu tão solicitada quando ultimamente...
Muito se fala também sobre a questão espírita de se cumprir, na Terra, um desígnio iniciado em uma vida passada - interpretado por algumas pessoas como se fosse uma dívida, ou um acerto de contas, com fatos que não estão hoje ao nosso alcance.
Sobre isso, a codificação espírita é curta e grossa: se você está aqui, hoje, tente acertar mais do que errar. Tente evoluir como pessoa nesta sua vida. Vou repetir: você está aqui para acertar mais do que errar - e nesta vida. O seu passado só terá sentido, ou o seu futuro só será melhor, se você, hoje, aqui, conseguir fazer alguma coisa decente. Em palavras mais simples: não importam suas encarnações passadas ou o que vai acontecer quando você morrer: importa o aqui e agora. Importa ser um ser humano melhor na quarta-feira do que aquele que você foi na terça. O restante é consequência.
Até aqui, como dá para perceber, não falei em fenômenos.
Aí é o ponto sobre o qual eu baseio meu pensamento sobre o assunto: os princípios espíritas são universais, portanto não dependem de fenômenos.
Não importa se o que está no Livro dos Espíritos foi ditado por um espírito mesmo ou por uma outra pessoa qualquer. Não importa se temos vidas passadas ou se teremos vida após a morte. Não importa se Chico Xavier foi santo ou fraude
Se todos os espiritos silenciassem, se as ideias sobre vida anterior ou posterior a essa existência acabassem, se os médiuns não escrevessem mais nenhuma linha - ainda assim, a caridade continuaria sendo nossa salvação, nós estaríamos vivendo a consequência diária dos nossos atos e uma religião que deixasse clara sua mensagem seria melhor do que qualquer outra.
Por isso, quando me indagam se sou espírita, realmente não consigo dizer que totalmente - porque, com toda a sinceridade, os fenômenos, a meu ver, dão bons filmes, boas novela, boas vendas de livros... e o modo como têm sido tratados está distanciando as pessoas da essência da mensagem.
E quantas são as mensagens! Profusões delas!
Não digo que devam ser desconsideradas, mas... será que há tanto o que se dizer que os conceitos básicos do Espiritismo não o façam?
Que consolo maior tem uma pessoa que perde um ente querido que o de saber que, em vida, fez-se a essa pessoa toda a caridade, a bondade que poderia ser feita?
Não seria mais relevante ensinar a ser caridoso nesta vida do que psicografar uma mensagem após a morte?
Que obsessão é essa pela volta de Chico Xavier... essa história de "assinatura secreta"? Isso tem lugar no Espiritismo? Código secreto... no Espiritismo?!  Por que o mensageiro tem sido mais importante que a mensagem?
Percebo que muitas pessoas têm um desejo firme de se manifestar espírita, assim como eu, mas têm sido inibidas por um sem-número de discussões que desviam o que, em essência, vimos buscar.
Não foi somente uma vez que presenciei pessoas que, após tomarem contato com o Espiritismo auto-denominaram-se "espíritos superiores" - e agem em relação aos outros - nós, os "espíritos inferiores"- com mal disfarçada soberba.
No meu entender, os espíritos mais evoluídos que estão entre nós, assim o são porque já cumpriram, com dor, resignação e dificuldades, as provas para se tornarem melhores. São nossas referências - as provas concretas de que a opção pelo bem é possível, real e exequível no mundo de hoje. São humildes por natureza, pois sabem a dimensão do papel que cumprem- da pesada carga que levam. E muitos deles nem estão num centro espírita...
Era isso o que eu gostaria de dizer.
Tenho certeza de que cometi muitos erros - e talvez injustiças.
O que escrevi não foi "ditado" por nenhum espírito - saiu da minha percepção de pessoa concreta, que busca um caminho para melhorar - e da indubitável crença de que a essência do Espiritismo é o caminho  - mas que se faz necessário um resgate dessa essência.
Estamos vivendo um momento em que essa oportunidade está tão visível em nossas mãos que seria imperdoável deixá-lo passar em brancas nuvens.
Acredito que tem chegado a hora de o Espiritismo mostrar a que veio.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

"I See you" - Avatar

O que faz um sonho ser bom????
Realizar um desejo? Contar uma história estranha? Não.
O que faz um sonho ser legal é a sensação que ele nos causa quando acordamos. É aquele sentimento de ter descido de uma nave e olhar para o lado, para a realidade, como se todos aqueles elementos tão familiares, do nosso cotidiano, é que fossem esquisitos demais.
Para mim, o charme de Avatar foi justamente esse. O filme, a despeito da falta de uma boa história, me lembrou As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, com Le Chateau des Pyrenees, de Magritte.
Bom, dizem os entendidos que os sonhos são em preto-e-branco...
Mas mesmo assim, quando são bons, saímos deles com o um sentimento de querer continuar a dormir e entrar no sonho de novo. Eu saí do cinema sem nenhuma dúvida: estou aguardando Avatar 2.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Tem dia que é dia...




Ode à preguiça


Ó preguiça, pecado funesto
Que me abraça todo dia
Se não fosse tua presença
Quem me faria companhia?

Deitada comigo, toda torta
No sofá, na cama, na cadeira
Vendo filme velho na tv nova
Quer melhor...? ou de outra maneira...?

Ó preguiça, deusa injustiçada
culpada das coisas que eu até faria
quem me impediria tão perfeitamente
da limpeza, do estudo, da academia?

Olhos moles, corpo pesado
Sono gostoso em tarde comprida
Como resistir aos encantos
Dessa majestosa amiga?

Chuva na Língua

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Distrito 9

No últimos dois domingos fomos ao cinema - o que é um verdadeiro evento, já que nem me lembro mais de quando tinha ido pela última vez.

Fico tentada a jogar a culpa no Rafael, que sempre tem que ser acordado por mim quando o filme acaba (réplica justa do referido: "acho teatro mais divertido e legal" - perdão concedido, com louvor, Mailóvi). Mas não é só culpa dele, não. Nos últimos tempos, procurava aqui e ali alguma coisa interessante para assistir e parece que nada me estimulava. Resolvi arriscar e já posso dizer que o resultado foi bom.

Distrito 9.
Pense assim: pegue uma favela no modelo das do Brasil, coloque um pouco de problemas africanos, aí despeje um monte de alienígenas do tipo fugido dos filmes dos anos 80. Triture tudo no liquidificador. Coloque uns narradores obscuros para contar a história.
Só com isso , sua massa ia ficar sensacional. Mas... ainda está faltando uma coisa: um herói. Ou melhor: um anti-herói!

Taí a cereja do filme!

Quando fui ver D9, eu sabia que encontraria um filme diferente, porque tamanha mistura de problemas sociais com alienígenas não poderia resultar em alguma coisa menos original.
Mas a bela surpresa foi realmente o protagonista do filme (Sharlto Copley), um ator que eu nunca vi nem-mais-gordo-nem-mais-magro e que, em minha opinião, roubou to-tal-men-te a cena.

Não houve favela nem alienígena que superasse o tal Wikus Van De Merwe!

O cara é um estúpido burocrata, casado com a filha de um dos donos da empresa, ou algo assim, que é responsável por controlar o Distrito 9. Acaba sendo laranja da empreitada da empresa que, na verdade, só quer desenvolver uma forma de usar as armas dos alienígenas.

No momento em que ele é "promovido" para controlar a operação de invasão do Distrito 9, onde estão confinados os aliens, o tal Wikus é atropelado pela supresa: como um idiota com eu é escolhido para uma responsabilidade dessas?
Ele não percebe a cilada em que está sendo metido. Aí é a cena-master #1 do filme: a cara de tolo-promovido que todos nós já vimos uma vez na vida nas empresas onde trabalhamos! Dá vontade de fazer um pôster! É uma ironia suprema!

E como todo laranja que se preze, abraça com fervor a causa. Arma uma operação de guerra para invadir a favela dos aliens e, favela invadida... cena-master n#2: ele bate nas portas dos barracos mostrando a ordem de despejo para os aliens - que deveriam "assinar" o papel, dando "ciência" naquilo.

Quase caí da cadeira porque não dava para rir por fora o quanto eu ria por dentro. Qualquer pessoa que viva num mundo burocrático como o nosso se sentiu como aquele alienígena. Essa foi de-mais!

Mas o melhor ainda nem tinha chegado: o tal Wikus acaba tendo contato com um líquido alien e começa a se transformar num deles. A contaminação era previsível: Wikus é desengonçado, tímido, age diante da câmera que o acompanha como ela fosse o verdadeiro alien, enrola microfone no crachá... e, claro, manuseia um artefato com líquido alienígena como se fosse o brinquedo de um filho. É quando se dá a "contaminação".

Durante a história, ele acaba se associando a um dos "camarões" para tentar reverter o processo de transformação do qual acabou sendo vítima. Preste atenção nisto: Wikus não se dá mal por causa do sogro-chefe-gente-boa, nem por causa de nenhum alienígena-favelado ou por qualquer outro ser deste ou de outro planeta.
Wikus é que se contamina!
É sua falta de jeito, ansiedade, sua pressa, a vontade de parecer "o cara" diante das câmeras. Ele consegue, assim como no filme, atingir aquele meio-termo perfeito entre o ódio que provoca seu comportamento puxa-saco, burocrático, acrítico e a ingenuidade que só os tolos de verdade conseguem ter. Da raiva de não conseguir ter raiva dele!

Fazia muito tempo que eu não via um anti-herói tão bem construído como ele. O filme vale por tudo, e principalmente pela mão certeira que fez este personagem.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

O que é comer bem?


Esses dias, depois de tanto ser metralhada com milhares de informações sobre nutrição, resolvi tentar saber o que é comer bem.
Acho que ultimamente as áreas ligadas à alimentação sofreram uma explosão enorme. A mídia deve colocar no ar um especialista por período do dia (manhã, tarde, noite), pelo menos, num chute baixo. Na Internet é impossível arriscar números. A todo momento escutamos que devemos comer isso, aquilo, assim e assado (cozido, de preferência).
Paralelamente, ou talvez pelo mesmo motivo, a cada dia surgem pesquisas novas mostrando para que servem determinados alimentos ou de que forma eles agem no nosso corpo.
O problema é que, com uma enxurrada tão grande de informações em constante transformação, tudo fica nebuloso e confuso...
Cada capa de revista traz um vilão ou um mocinho. A última capa da Veja foi sobre o açúcar. Aquelas frases do tipo "Pesquisas mostram que o alimento X faz isso..." acabaram se tornando tão exaustivas que sequer perguntamos que pesquisas são essas e de onde elas vêm.

Simplesmente incorporamos da frase aquilo que entendemos, e acabamos com conceitos enrijecidos. "O alimento X faz bem para o coração.", "A alimento Y diminui o colesterol ruim (essa história de colesterol bom e ruim tem um didatismo tão cômico, que parece coisa de desenho animado).
E não temos qualquer pudor em abandonar esse conceito em prol da próxima capa de revista!
Se o adoçante deve substituir o açúcar hoje, então vamos tomar adoçantes. Daí alguém ventila que o adoçante causa câncer - não tem problema! Encosta o "vidrinho de plástico" lá no fundo do armário e dá-lhe açúcar. Aí o açúcar não serve! O adoçante só causa câncer se ingerido em quantidades absurdas. Então pega o adoçante de novo...
Colocamos nossa "moralidade" em jogo. Mudamos de atitudes e de vilão sem que suba nem um rosadinho no rosto. Vale tudo para termos uma "alimentação saudável"!
O problema de tudo isso é que no vaivém dos vilões e dos mocinhos, parece que começamos a desenvolver uma certa neurose em relação à comida.
Não existe coisa mais bonita do que pessoas que se unem para se alimentar juntas. Isso faz parte da história do homem. Esse hábito de se sentar à mesa e fartar-se em companhia de pessoas amadas é inerente ao ser humano, um ato de confraternização, de alegria... e ultimamente - preste atenção! - sempre que há um grupo de pessoas se alimentando, alguém faz comentários do tipo: "Ah, essa linguiça é colesterol puro!", "Que light esse macarrão com molho, hein?"...
Aquele momento de confraternização se transformou num momento de culpas e desculpas. Não conseguimos mais nos alimentar sem que os "crimes à mesa" roubem a cena e se tornem o assunto da conversa (que estava tão boa).
É fato que o exagero é ruim e que existem formas melhores de se alimentar. Também não questiono uma vírgula o fato de que hoje estamos mais atentos à qualidade daquilo que comemos e mais orientados para isso. Os nutricionistas venceram, ainda bem!
Mas também não posso deixar de dizer que neurose nenhuma é boa. Que existem exageros e contradições nas "pesquisas que mostram" informações sobre alimentos. Que estamos cada vez mais cercados por um modelo de alimentação que, se corresponde a uma forma de saúde, por um lado, é extremamente irreal em muitos pontos da nossa vida urbanizada, industrializada e com horários malucos.
Numa dessas entrevistas de rua, uma repórter parou um rapaz no centro de São Paulo, naquela correria, e ele disse uma frase, todo afobado, que, para mim, resume esse contraste: "Cinco refeições saudáveis por dia é impossível".
Nosso mundo está impossível!
Quando comecei a ouvir falar da linhaça, fiquei curiosa com tantos milagres. Comecei a investigar e percebi que estava diante de um alimento único. Assim, concluí que deveria inseri-lo em minha alimentação.
Se eu soubesse da tragicomédia que ia começar, tinha fugido dela.
Primeiro, o grãozinho é caro. Mesmo assim, comprei e comecei a jogar no meu prato e ingeri-lo inteiro.
Mas descobri que assim não serve!
Para fazer efeito, a linhaça deve ser triturada. Então, ao invés de comprar o grão passei a comprar o pó.
Mas descobri que assim também não serve!
Para ser eficiente, a linhaça tem de ser triturada na hora em que vai ser consumida. Mas como triturar um alimento que parece um alpiste? Eu jogava no liquidificador e batia a seco. Sujava o copo inteiro, então eu "lavava" com o suco que ia beber mas, mesmo assim, boa parte ainda ficava inteira. Bater com o líquido dava um resultado parecido. Macerar servia? Pisar servia? Rezar servia? Aí a coisa começou a ficar cômica - uma vez, peguei um bocado daquilo e triturei na própria boca. Momentos inesquecíveis de vida de passarinho...
Aí finalmente descobri que eu não sirvo para a linhaça!
A novela do café não é diferente. Faz bem? Faz mal? E o ovo? Antes era um veneno e agora é uma alimento como outro qualquer.
A lista é longa e sempre acaba com a frase que mais parece de auto-ajuda: "Moderação é tudo. Nenhum exagero é saudável."
Acho que precisamos também melhorar o modo como as informações de nutrição têm aparecido na televisão, nas revistas e em outros meios de comunicação. Também temos de ficar mais atentos à estabilidade dessas informações antes de sua divulgação. Nutrição é saúde; modismos, não. Eles apenas acabam nos levando a trocar uma doença por outra.

domingo, 27 de setembro de 2009

Marley e eles

Nesse meio-tempo-perdido, acabei de ler Marley e Eu (ainda não vi o filme). É claro que não vou falar mal do livro, porque corro o risco de ser o primeiro caso de expulsão Internet. Também não o faria. A história é ótima, delicia da primeira à última página e cumpre aquilo que promete.
Mas quando acabei de ler, fui à estante para pegar na mão um outro livro de cachorro que me encantou quando eu li - e por motivos opostos daqueles me fizeram gostar de Marley (aí está a graça da literatura). Falo de Caninos Brancos.
O livro foi escrito em 1910 por Jack London e conta a história de animal híbrido entre um lobo e um cachorro. Só por aí, já valeria ler o livro. Mas o que é interessante é que a história, apesar de seguir a mesma trajetória de Marley e Eu quando conta a inserção de um animal num meio humano, tem um enredo de ódio e sangue. O cenário é o Alaska do século XIX e as primeiras páginas do livro já começam com uma luta desesperada de alguns homens para tentar sobreviver no meio de uma selva de gelo e olhos de lobos que espreitam para devorá-los. Caninos Brancos sofre como o inferno na mão dos homens. Uma parte que, na minha leitura, foi mais marcante, narra o momento em que Caninos é usado como animal de luta. Gente... eu suava e tremia com o livro na mão!
É o tipo de cena que passa a anos-luz de distância da história de Marley. Um dono com a tolerância de John Grogan é algo digno do dinheiro que ele ganhou com a história do seu cachorro. As cenas descritas, mesmo as do desespero de Marley durante as tempestades, não chegam aos pés da dramaticidade e da crueza da narração de Jack London.
Nem era para ser...
Mas sobretudo, o que me chama a atenção quando se lê um livro sobre animais, como esses, é que eles falam, cada um à sua maneira, do homem que está por trás do bicho. Caninos acaba domesticado e feliz. Assim também é Marley. E acho que a graça dessas histórias é o conforto que a onipotência humana acaba conferindo àquilo que toca. No fundo, é disso que gostamos quando lemos histórias de cachorros.

Como eu ia dizendo...


De volta às blogagens... andei afastada de computador por algum tempo não sei por quê. Estava meio deprê. Acontece... Às vezes acho que sou lenta demais, demoro para escrever, uma idéia puxa outra e o que eu começo muitas vezes não é o que termina. Às vezes acabo de pensar e não acabei de escrever. Descoordenação. Os assuntos foram se acumulando e se perdendo por esses dias. Gostaria de ter a disciplina que algumas pessoas têm de andar com um caderninho no pescoço atado a uma minicaneta para ir anotando tudo. Não sou assim...

Mas agora estou de volta.

E como gosto de observar as coisas, não minto que me perco em alguns casos. Por exemplo: estava lá fazendo as unhas (mulheres, tsc, tsc, tsc) e me flagrei perdida diante de uma pergunta que sempre me deixa sem resposta: Que cor vai ser?

O que realmente me incomoda diante dessa pergunta é que quando se fala em cor, pensamos em algo como "vermelho", "rosa", "bege". Para as mais ousadas, um "roxo", "marrom" e por aí vai.

Mas nem tudo é tão simples assim no mundo das mulheres desavisadas como eu...

Porque para pintar as unhas, esses nomes de cores dizem muito pouco. As cores sempre são algo como "prazeres"..."inveja", "rio doce" (?), "sereia"...
E por aí vai: tutti Frutti, tafetá, cleópatra, inveja boa (esse é ótimo - da mesma família do pura luxúria e do toque de ira), salto alto, audrey...

Dessa forma, as entendidas sempre têm um diálogo mais ou menos assim com suas manicures:

- Que cor vai ser hoje, Patty?
- Ai, Lu, não sei... acho que quero um Arábia.
- Tá muito bonito, ainda mais se você colocar um tafetá por cima!
- Mas eu pensei num inveja boa...
- Vamos experimentar!

Para quem, como eu, ainda não evoluiu sequer para o nível 2, essa "complexidade" toda me deixa perdida. Mas tenho sorte, porque a moça do outro lado sempre interpreta minha cara de interrogação com uma dúvida diante de tantas opções. E me oferece o de sempre:

- Quer um renda hoje???

Quem sou eu para dizer que não!

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A morte em Veneza e a gripe suína

Nesses dias de gripe suína e retorno às aulas, muitas coisas ruins têm acontecido. Tivemos, por exemplo, a notícia do falecimento do filho de uma professora, colega nossa. Estamos vivendo um momento de sustos. A doença e a morte parecem estar rondando nossos alunos, nossos amigos e cada um de nós. E tudo isso envolto numa névoa estranha. Um certo ar de "que é isso gente, já está acabando" e, ao mesmo tempo, notícias esparsas de um que saiu do hospital, um outro filho de professora que amanheceu com febre, um que espirra e silencia todos ao lado. Nunca vivi um ambiente assim em nenhum lugar. As nossas grávidas, todas cheias de novidades e barrigões, simplesmente desapareceram...
Eu me lembro de que quando eu era adolescente, simplesmente não conseguia pegar cedo no sono à noite - sempre fui meio coruja. Naquela época, ficava assistindo à tv de madrugada e passava o Cine Club. Foi assim que assisti ao filme A morte em Veneza pela primeira vez.
O mais engraçado foi que, quando fiz faculdade, acabei reencontrando essa obra no último ano do curso, num estudo do livro de Thomas Mann que baseou o filme.
O enredo é difícil de resumir - ou melhor, não se presta muito a isso, porque na verdade o que conta são os detalhes e a simbologia que T. Mann coloca na novela. Em linhas gerais, trata da história de um artista (Gustav von Aschenbach) que faz uma viagem a Veneza e, lá, acaba encontrando um jovem que sintetiza todo ideal de perfeição estética que o artista sempre imaginou - e que acaba por levá-lo a desenvolver um fascínio pela figura do menino.
As interpretações são muitas e são apaixonadas. Há os vêm do lado de cá e dizem que isso é a coisa mais gay do mundo; e há os que vêm do lado de lá e dizem que falar isso sobre a obra é comer a casca e jogar a fruta fora - e desandam a associar o texto à história da Alemanha contemporânea. Na minha modesta opinião, ignorar qualquer desses dois lados da obra é perder muito. A graça de uma visão do enredo é justamente a presença da outra. Fico com as duas.

Deixando essas digressões de lado, o que realmente assusta na obra é que a cidade de Veneza, para nós o símbolo do romantismo, com seus gondoleiros e canais, está sendo assolada por uma peste. O mal é ocultado pelas autoridades, que temem uma debanda dos turistas aristocratas numa cidade de veraneio. Mas o mal ronda a cidade, que a todo momento é desinfectada.
A Veneza que é mostrada é uma cidade que apodrece, com a água de seus canais repleta de doenças e morte.
Em meio a tudo isso, o deslumbramento de Aschenbach não consegue deixá-lo partir, embora ele consiga perceber cada vez mais a morte se espalhando pelos cantos da cidade. Os turistas não se dão conta - desfrutam praia e lazer, enquanto a peste se alastra de forma oculta.
Esses dias na escola, a sensação que tive foi exatamente assim. Um bando de crianças e também adultos vivendo despretensiosamente seu dia a dia, com o cheiro de álcool nas mãos e a conversa de corredores sobre um espirro, uma febre, uma morte...

sábado, 15 de agosto de 2009

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Monalisa in fire!!!!

Uma vez, quando eu era pequena, eu tentei fazer uma "receita surpresa" para minha avó. Mas na hora de ir ao forno o negócio desandou e ficou uma meleca. Quando a velha chegou da igreja e viu aquela gororoba, tomei a maior catracada. Ainda tentei argumentar que aquilo... poderia ter uma salvação. Aí ela disse uma frase que, para mim, foi célebre:
- Também! Com esses ingredientes!
Ela se referia ao leite condensado que eu tinha colocado na receita... e que foi para o lixo, junto com o resto.
Mas essa "sábia lição" trazia muita "sabedora" por trás. De modo simplificado: tem gente que consegue, sim, pegar excelentes ingredientes e fazer cada porcaria absolutamente inimaginável.
E tem uns aventureiros - eu me incluo no grupo - que conseguem fazer pior: achar que a gororoba tem salvação!
Isso tudo é para falar de um filme.
O nome é Equilibrim. Nos ingredientes estão ninguém menos que Christian Bale e Sean Bean. A história é de uma sociedade que, para resolver seus problemas, obriga seus cidadãos a ingerir uma droga que inibe os sentimentos - tanto os bons quanto os ruins. O discurso é de que os sentimentos motivam as desgraças - e os que não concordam (os "rebeldes") vão para o paredão, sob uma chuva de balas.
Que tal? Você assistiria?
Bem, eu fui nessa... (Detalhe sórdido: o slogan do filme é "Esqueça Matrix!".)

O filme... bem... melhor não gastar adjetivos.
Mas...mãããããsssss... toda gororoba tem seu leite condensado!

No filme, tudo o que é relacionado à arte e à estética, ou seja, o que pode lembrar sentimentos, é sumariamente destruído (mais chuva de balas). E os tais rebeldes são protetores dessas obras - livros, filmes, discos, quadros e tudo mais.
Nas cenas iniciais, mostra-se um ataque a uma "fortaleza" cheia de rebeldes e a caça às obras que eles escondiam. E num desses buracos, está a Monalisa...
Bem, pelo título do post já dá para ter uma idéia do que acontece.
Vou colocar o início do filme, mas já adianto que quem gosta de qualidade em cinema, não deve gastar tempo com o resto. Se não quiser ver o início todo, que tem quase dez minutos, vale a pena ver o trecho que eu citei, que vai do 6:00 até 7:15.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Apuros que passei por causa de José Cândido de Carvalho


Acho que poucos autores brasileiros são tão deixados de lados como o Zé Cândido.
O cara realmente é de-mais!!!!!!
Começa que ele tem um talento muito especial: humor na escrita. Já vi humor no teatro, na internet, na tv... mas boa literatura, sob uma linguagem de primeira, e realmente de rolar de rir - isso é só com ele mesmo.
Tenho o costume de carregar o livro que estou lendo para todo canto e, quando li O Coronel e o lobisomem, cheguei a passar apuros, pois não é em todo lugar que você pode dar uma gargalhada ou ficar com cara de riso.
Fiquei decepcionada quando vi o filme. A alma da história está na linguagem e na ingenuidade do coronel Ponciano de Azeredo Furtado, o que foi feito de forma muito rasteira na filmagem da obra. O Diogo Vilela, a despeito da qualidade de tudo o que faz, não ficou bem no papel.


Minha paixão pelo Zé Cândido ficou mais séria quando li um livro dele que, na minha opinião, é muito prejudicado pelo título. Chama-se "Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon". É um nome esquisito demais e que acaba arredondando para baixo o conteúdo.
Acabei comprando esse livro na Siciliano do shopping num dia meio sem inspiração. Quando chego por lá, sempre "passo em revista" as prateleiras do fundo, porque as ilhas ali da frente são meio manjadas. Peguei esse livro por obra de um sopro de anjo (dizem que os anjos vivem nas bibliotecas... pode ser que algum tenha gostado da livraria do shopping), li as primeiras páginas e aconteceu de novo: comecei a rir que nem doida, agarrei no livro, olhando meio de lado, como se tivesse medo que alguém quisesse levá-lo de mim! Paguei trinta e poucos reais e foi pouco pelo tanto que ele me divertiu.

Quem acabou pagando o pato foi o Rafael, porque eu andava pela casa atrás dele, lendo as historinhas do livro.
Mas ele acabou gostando.
Para quem quiser uma palhinha, o site Releituras tem um cantinho dedicado ao Zé Cândido. Vou reproduzir abaixo um conto que está lá:

Tatão, o esquartejador

José Cândido de Carvalho

Era domingo que pita cachimbo e Tatão Chaves aproveitou para pedir Lili Mercedes, mestra de letras, em casamento. A cidadezinha de Monte Alegre, sabedora da novidade, botou a cabeça de fora para presenciar Tatão em cima das botinas de lustro e por baixo dos panos engomados. Para avivar a coragem, Tatão bebeu, no Bar da Ponte, meio dedo de licor, coisinha de aligeirar a língua e aromar a boca. Como achasse o licor educado demais, mandou cruzar a bebidinha com cachaça de fundo de garrafa. E recomendativo:

— Daquele parati mimoso que até parece flor de jardim.

De talagada em talagada Tatão perdeu a mira da cabeça. Embaralhou o pedido de casamento com negócio de disco-voador, imposto de renda e busto de moça. A essa altura, gravata desabada e camisa fora da calça, Tatão preveniu:

— Sou o maior dedilhador dos desabotoados das meninas já aparecido em Monte Alegre. Sou Tatão Chupeta!

Gritava que era monarquista, que era a favor da escravidão e que o prefeito de Monte Alegre não passava de uma perfeita e acabada mula-sem-cabeça. E para arrematar, ganhando a porta do Bar da Ponte, garantiu:

— Só queria que aparecesse neste justo instante um boi cornudo para Tatão esfarinhar o chifre do sem-vergonha a bofetada!

Nisso, um boizinho desgarrado apontou na esquina da Rua do Comércio. Tatão cumprindo a promessa, armou o maior soco do mundo. E atrás do soco saiu Tatão, atravessou a Praça 13 de Maio, entrou no Mercado Municipal, desmontou duas barracas, esfarelou um comício de tomates e só parou no Açougue Primavera. E meio adernado sobre um quarto de boi que sangrava em cima do balcão:

— Soco de Tatão é pior que canhão de guerra. Mata e esquarteja!

sábado, 25 de julho de 2009

E a gente ainda paga por isso...

Férias... férias... férias: a gente fica mais em casa e a tv acaba sendo companhia.
E quando se fica em casa durante a tarde, seja durante a semana ou no final, é quase uma loucura se aventurar pelo controle remoto - não adianta, não tem naaaaada pra se ver nos canais abertos.
Tudo bem: tem como se relavitizar esse nada - às vezes, um jogo legal ou uma entrevista. Mas isso é pura sorte. Em geral, pouco se aproveita.
E o pior é que, quando a gente acha que os canais abertos já se superaram quanto à falta de assunto, os canais pagos conseguem fazer pior.
Vamos lá: uma zapeada rápida e temos:
- elefantes, crocodilos, macacos...
- um seriado policial com alguém cortando outro alguém no meio...
- mais alguns elefantes...
- Dr House de mau humor (olha a novidade)...
- mais uns crocodilos...
- um reality show com um monte de ilustres desconhecidos (tem até de cabeleireiro)...
- um cantor de rap com uma loira
- mais uns pedaços de gente...
- olha!: outro reality show!
E por aí vai.


Mas quando a gente acha que as coisas estão ruins, elas podem ficar pior.

O que vou contar aqui eu vi já faz um tempo. Foi numa tarde de televisão, exatamente como a desses dias de férias.

Eu estava zapeando e peguei a propaganda de um seriado americano, não sei qual.

A cena era a de uma espécie de sala de interrogatório, daquelas com meia parede de vidro. O policial percorria esses vidros, fechando a persiana, isolando-se ali.

Dentro da sala, havia uma pequena televisão onde se via uma cena de câmera de segurança, em preto-e-branco azulado. A cena era a de uma espécie de assalto a uma loja de conveniência e, no momento em que se "mostrou" a imagem, era nada menos que uma cena de estupro. Daquelas básicas: uma mulher debruçada sobre o balcão e o bandido sobre ela.

Nesse momento, o policial para diante da televisão, as janelas de vidro já estão todas fechadas, ele se senta diante da tela e... e... sim: ele desce a mão entre as pernas.

A cortina se fecha. Ou: o comercial do seriado é interrompido neste ponto.

Eu avisei que ficaria pior.

Bom, repito: era uma tarde meio distraída, não deveriam passar de duas horas da tarde. A sorte é que não tenho crianças aqui por perto. Não me senti chocada, nem irritada, nem aviltada, nem nada. Apenas me questionei se era algo que eu deveria ver, na tv paga, naquele horário. Não gosto de discursos moralistas - se eles valessem alguma coisa, o mundo seria outro. Apenas me acho no direito de fazer perguntas... por que uma cena assim, naquele horário meio desavisado, e na tv paga? Pelo menos o direito de fazer perguntas eu ainda tenho, certo?




Revanche
Lobão
Composição: Lobão e Bernardo Vilhena

Eu sei que já faz muito tempo que a gente volta aos princípios
Tentando acertar o passo usando mil artifícios
Mas sempre alguém tenta um salto, e a gente é que paga por isso, oh!
Fugimos prás grandes cidades, bichos do mato em busca do mito
De uma nova sociedade, escravos de um novo rito
Mas se tudo deu errado, quem é que vai pagar por isso?
Quem é que vai pagar por isso? Quem é que vai pagar por isso?
Quem é que vai pagar por isso?

Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...

A favela é a nova senzala, correntes da velha tribo
E a sala é a nova cela, prisioneiros nas grades do vídeo
E se o sol ainda nasce quadrado, e a gente ainda paga por isso
E a gente ainda paga por isso, e a gente ainda paga por isso
E a gente ainda paga por isso

Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche
Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais ...

O café, um cigarro, um trago, tudo isso não é vício
São companheiros da solidão, mas isso só foi no início
Hoje em dia somos todos escravos, e quem é que vai pagar por isso
Quem é que vai pagar por isso? Quem é que vai pagar por isso?
Quem é que vai pagar por isso?

Eu não quero mais nenhuma chance, eu não quero mais revanche

domingo, 19 de julho de 2009

Saudosismo parcial

Seria muita hipocrisia da minha parte ficar idolatrando do bolachão de vinil. Não, não é melhor que o CD - o disquinho é menor, tem qualidade melhor de som, é mais barato e por aí vai.
Mas tenho que dar apenas um crédito ao bolachão: tenho saudade dos encartes enooormes, cheios de fotos, letras de música e outras coisas.
Sei que hoje é só entrar na internet e pegar tudo, mas realmente tinha graça o encarte do disco de vinil, ainda mais aqueles que tinham pôster no meio.






segunda-feira, 6 de julho de 2009

A Era do Gelo - versão que não tem graça

Eu não consegui ainda localizar a data deste vídeo, mas como Carl Sagan morreu em 96, dá para ter um idéia da época.
Quando li "O mundo assombrado pelo demônio - a ciência vista como uma vela na escuridão", conheci o brilhantismo deste homem. Eu me lembro de ter visto Cosmos quando era pequena, mas tinha medo. Este vídeo é o último de uma série que se chama "Quem pode salvar a Terra?".

Acho bonito como um homem que defendeu com tanta genialidade o ceticismo e a confiança na ciência, possa ser um crente tão fiel em uma idéia que me parece inconcebível: a de que espécie humana terá longevidade neste planeta.


Com a palavra, o sr. Sagan:

domingo, 5 de julho de 2009

A saga de secar as mãos...

Ir ao banheiro satisfazer a higiene é um procedimento básico desde que o ser humano inventou a sociedade "civilizada".


Mas parece que ultimamente um ato tão simples e importante, como o de lavar as mãos após utilizar o sanitário, virou uma vedete da criatividade dos inventores de produtos para banheiros de uso coletivo.


Por exemplo: antes, lavavam-se as mãos e se secavam as ditas cujas num papel. Pronto, tudo resolvido.


Agora, o pobre desavisado encontra engenhocas que vão desde toalhas de tecido que vão sendo automaticamente enroladas para que uma nova parte delas se renove para o próximo usuário, até aquelas que têm um sensor que avisa quando a mão está embaixo e solta uma toalhinha de papel!


O cúmulo, porém, da micagem tecnológica para secar a mão é o tal secadorzinho!


Pra quem nunca topou um desses antes, vai a explicação: um simpático aparelho, semelhante aos que soltam papel, mas sem papel. Não adianta ficar olhando por baixo, porque não tem nada lá, e você corre o risco de levar um jato de ar quente na testa.
Pois é isso mesmo que o danado faz.
Detecta automanticamente quando um entendido coloca as mãos sob ele- e solta um ar quente para secá-las...


Tudo muito prático. Simples e fácil de adivinhar!





Haja bunda de calça pra sair do banheiro de mão seca!






quarta-feira, 1 de julho de 2009

Dia do Lerdo

Acabei de dar uma olhada rápida no Google: e não está lá!
Não, não existe um dia para lerdo.
Acho isso uma afronta.
Um verdadeiro desrespeito para com milhares e milhares de pessoas como eu que, simplesmente, não podem ter um dia específico simplesmente para... ser o que são: lerdos!
Mas preciso fazer antes de tudo uma definição quase científica disso.
Primeiro, não é qualquer um que é um lerdo. Veja bem: não falo desses transtornos complicados que a vida moderna trouxe. Um lerdo de verdade não é uma pessoa com doença de memória ou transtornos de atenção - um caso de remédio ou tratamento.
Um lerdo de verdade não tem cura, que se diga de passagem.
E como ele é? Bem... só meio esquecido e distraído...
Por exemplo: um lerdo de verdade não é aquele que todo dia esquece a chave de casa. É aquele que esquece a chave bem no dia que convida um amigo para uma visita.
Um lerdo não é aquela pessoa que tropeça nos sapatos, dá bicas na beira da cama ou quebra um copo ou um prato sempre que lava a louça.
Um lerdo real é aquele que tropeça numa calçada que não tem um degrau ou enrosca o pé...no outro, como se fosse a primeira vez que se desse conta da existência do dito cujo. Esse é o lerdo de verdade.
Um lerdo dos bons jamais - veja, jamais! - deixa de entender ou rir de uma piada, por exemplo. Ele simplesmente estava no banheiro e chegou só na hora que todo mundo ria.
Um lerdo não é uma pessoa de raciocínio ou gestos lentos. Às vezes, na verdade, ele é até mais rápido que o usual. Aliás o lerdo apenas estava prestando atenção em tudo o que o chefe ou o professor dizia... ele só se distraiu por um minuto: bem aquele em que alguém falou o seu nome!
É por isso que não é fácil ser lerdo, não é qualquer um que consegue ser assim. O lerdo, ao contrário do que as pessoas pensam, tem o timming exato da coisas - apenas na hora errada.
É por isso que eu acho que deveríamos prestar uma homenagem a essas sofridas pessoas!

terça-feira, 30 de junho de 2009

Comercial Inteligente

Com especiais agradecimentos ao Sérgio, do Culturatura, pois eu já tinha perdido esse comercial maravilhoso:


domingo, 28 de junho de 2009

Só se é menina por pouco tempo na vida...

Vi este comercial quando tinha uns 13 anos e - ACREDITE QUEM QUISER- o que mais me impressionou foi a música!




Quem sabe se eu tivesse visto este:

Ou este:



Pois é. Só se é menina por pouco tempo na vida.

(Ainda bem...!?)

Minhas terras


Tenho um canteiro em casa que mede dois palmos de largura por 3 passos de comprimento (perdão por não falar em metros quadrados e coisas afins) e que eu chamo hiperbolicamente de "minhas terras".
Falo dele porque um dia, se Deus viesse tirar satisfação comigo, “tipo” discutir a relação, eu lhe diria: Papai, por que você não me deu aquele talento que vejo em algumas pessoas, de ter fertilidade nas mãos? Sabe aquele negócio de enfiar um matinho na terra e depois de um tempo o galhinho estar carregado de flores?
Pois é... o debate ia ser duro.
Mas enfim... nas “minhas terras” eu já fiz “miliuma” experiências. Já plantei semente, já adubei, já plantei muda, já mandei plantar um monte de coisas... já fiz o diabo. E nunca foi nada muito pra frente.
Aí resolvi largar mão. Pra não ficar pelado, coloquei umas mudinhas de temperos e coisas do gênero. Que desse quem quisesse... e qual foi a surpresa?
Elas gostaram. Tem hortelã, alecrim, melissa, lavanda, manjericão e cânfora. Plantei depois também um galhinho de hera – que já está crescidinho, trepando na minha calha, obediente. Até tirei um tequinho dele e pus num vaso – já está bonitinho também. Minha avó tinha me dado um galhinho de dinheiro-em-penca: virou praga, tive de arrancar. Pus num vaso que eu tinha e ficou mimoso. Resumindo: depois que parei de inventar moda, “minhas terras” até que foram pra frente.
Nesses dias de frio, fiz um mimo: meu pezinho de lavanda estava cheiroso, então arranquei uns galhinhos, fervi água e coloquei em duas bacias, sob a cama, para mim e para o meu marido, porque o ar estava muito seco. Uma delícia!
Mas existe uma lição nisso tudo: aquela história de dar tempo ao tempo. Na verdade, pra lidar com qualquer coisa da natureza, tem que ter paciência e saber observar. E isso não depende de talento. É só querer aprender.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cais da sagração


Minha estante se parece com as ruas de Caçapava, por onde perambulo todos os dias.

Existem aqueles pedaços com casas chiques e novas, que poucos passos depois se transformam em residências medianas, mas novas. Aí tem aquela viela cheia de casebres pobres e depois umas casas também medianas, mas antigas. Tudo assim de misturada, sem muito planejamento.

Minhas prateleiras são assim, também.

Existe a fileira dos livros novos e cheirosos, de edições bonitinhas e capas novas; logo depois, vêm aqueles cacarecos catados de sebos, na sequência uma coleção mediana de edições de banca.

E existe o condomínio dos livros clássicos, de edições com capa dura e papel jornal, se não me engano da Record. É algo bem dentro do conceito "o que importa é o conteúdo", já que a desgraça do papel jornal é que, passados alguns anos, o treco começa a ficar com um cheiro medonho.

Esses livros eu comprei na banca. Alguns eu já li e outros ainda não - ficam ali esperando uma certa vontade.

E eis que esses dias eu fui acometida por essa tal vontade - e resolvi pegar um volume chamado Cais da Sagração, do senhor Josué Montello. Esperava uma leitura pesada e lenta - e de repente não consegui mais me desgrudar das vivências do grande Mestre Severino, sua Vanju, sua Lourença.

Fiquei de amores pela leveza do texto, simplicidade e principalmente pelas rupturas de narrativa. Ainda não acabei de ler a obra, mas me espantei e me apaixonei. Conto mais logo-logo.

Chuva na língua

Hoje foi um daqueles dias encharcaaaados.
Como eu tinha de fazer mil coisas na cidade, não teve jeito: tomei chuva pra caramba. E a pé, como sempre. Nessas horas, não adianta me oferecer sombrinha nem carona. Pra não dizer que queria passar frio, levei a jaquetona preta, que me deixa com cara de "Black Chapeuzinho".
Chuva é uma coisa de oito ou oitenta - ou você entra nela e esquece da vida, deixa correr. Ou fica olhando pela janela. O que não dá é pra ficar se escondendo de gotinhas.
E também para não dizer que me fuuurrrteeei ao meu gosto, olhei pro céu e botei a língua pra fora, na maior curtição que uma pessoa pode ter.
Nessas horas, eu tenho a memória da combinação gostosa de duas coisas: infância e bênção. Aquelas mínimas gotinhas que caem na língua parecem um contato direto e divino com o de-dentro da gente. E há uma certa dose de molecagem em escancarar a boca no meio da rua, cheia de gente olhando com cara de estranheza e inveja.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Luvas de cimento

Dia desses estava fazendo alguma coisa e a televisão estava ligada. Nos dias de hoje, às vezes temos a nítida impressão de que a tevê é que está nos assistindo. Passava um filme e um policial, em um momento de filósofo, perguntava insistentemente a outro qual era o sentido da vida. “Qual o sentido da vida? Qual o sentido da vida?” Não me lembro a resposta do outro, mas deve ter sido alguma coisa que um policial responderia.O fato é que a pergunta ficou no meu ouvido - sem novidades.Ontem fui a um consultório médico. Espera que espera, eu acabei fazendo o óbvio: pegando uma daquelas revistas sem capa, cheias de fotos, para poder folhear. Uma outra revista era um magazine de variedades, que eu nunca tinha visto. Comecei a ler, até que achei alguma coisa que prendeu minha atenção: um dvd sobre a vida de um pugilista, cujo nome não me lembro - e de quem eu nunca tinha ouvido falar.
O rapaz teve uma carreira meteórica, era uma grande promessa, até que encontrou um inimigo que o colocou no chão. Não no sentido figurado, no real mesmo: o seu concorrente, numa luta, bateu de tal forma no rosto do tal pugilista que o deformou irrecuperavelmente. A capa do dvd trazia a foto do antes/depois, mostrando a figura assombrosa do que ele havia se tornado, isso aos vinte anos. Depois, soube-se: o seu concorrente havia lutado com cimento escondido dentro das luvas. Isso foi confessado. O fato é que a carreira do rapaz acabou e pouco depois ele morreu num acidente de carro.Quando li essa história, pensei no absurdo, no impensável, na última das misérias: a covardia.Pensei também que aquela era mais uma situação em que eu redefinia, dentro de mim, o sentido dessa palavra. E pensei, por fim, em como estamos, em nossas vidas, a todo momento, redefinindo aquilo que tomamos como um conceito pronto há poucos minutos.O fato é que nossa mente - esse imenso carretel que vai se desenrolando e alinhavando fatos, memórias e visões em um imenso varal que chamamos de idéia - não se cansa de perguntar o que é isso, o que é aquilo. E parece que estamos sempre fazendo com que o mundo que nos circunda se agregue em forma de significado e corra atrás de seu par - em outras palavras: fazendo com que as respostas, na contramão, só depois de prontas, se unam a suas perguntas.E aí estava, então: há alguns dias, se me perguntassem o que era covardia, eu poderia citar que era uma madrasta estrangular uma menina de cinco anos e o pai jogá-la pela janela. Depois, eu defini como covardia um pai trancar a filha por vinte e quatro anos e usá-la como escrava sexual. Agora, já posso dizer que a isso se acrescenta massacrar com luvas de cimento o rosto de um campeão.Sou relativamente jovem, tenho trinta e seis - e sei que ainda vou redefinir essa palavra muitas e muitas vezes.Agora vejo de novo aquele tal policial do filme. Ele está entrando pela minha janela-televisão e começa a perguntar de novo o sentido da vida. Acho que a vida está acima do sentido, mas hoje - hoje - eu penso que ela também está nesse eterno redefinir de coisas.Enfim, achar as perguntas certas para o monte de significados que, como serpentes, vão se enrolando em nossas mentes, nossos espíritos e nossos corações.

Texto do final de 2008 (andava perdido no micro).

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Conto de fadas

Escrevi esse conto de fadas para uma atividade do curso...

Era uma vez um rei, chamado Hélio, que vivia numa terra muito distante e bonita, chamada Vale das Cores Coadas. Ele vivia com sua esposa, a rainha Nena, e uma filha, a Princesa Sara.
O Vale das Cores Coadas era um lugar muito especial, recoberto com verdes campinas e uma floresta de árvores muito raras, cujos galhos se abriam para os céus como dedos. Por entre as frondosas ramadas das árvores milenares, o sol passava e se dividia em dezenas de cores, colorindo as terras do reino como nenhum pintor jamais fizesse.
Rei Hélio era um homem muito justo e forte; durante toda sua vida havia reinado com sabedoria suas terras, pois sabia que nelas se escondia um tesouro muito especial:dentro das altas muralhas do Reino das Cores Coadas ficavam os mananciais dos rios Nates e Mylos.
Desde que o mundo era mundo, seus ancestrais haviam protegido aquelas nascentes, pois se dizia que se, um dia, elas caísses em mãos erradas, toda a água do mundo estaria arriscada a perder-se. Então, de geração em geração, aquele reino fora protegido pelos ancestrais do rei Hélio.
Conta-se, porém, que ele não protegia sozinho aquelas nascentes.
Dizia-se que, no meio pedras geladas de onde brotavam as primeiras águas dos rios, vivia um bruxo chamado Undeclo. Ele era o guardião natural das águas; ninguém nunca havia visto seu rosto, mas quem fosse até as pedras poderia ouvir seu sussurro em forma de vento.
Um dia, porém, a guerra explodiu.
O entorno do reino, ano após ano, viu perecer cada terra. As aldeias foram-se extinguindo, os reinos foram minguando e as terras de Cores Coadas viram-se, em pouco tempo, cercadas por hordas de vilões, liderados pelo rei Jaquel.
Jaquel era o vigésimo descendente de Marquel, um rei cuja maldade era tamanha que nem mesmo o tempo conseguia abrandar. Reinara Jaquel a vida toda com uma ambição: a de tomar Cores Coadas, pois sabia que somente a posse das nascentes daria a ele o poder definitivo sobre todos os reinos da terra.
Um dia, o mensageiro de Jaquel entrou pelas muralhas do reino e foi até o palácio. Chamado para ouvir a mensagem, o rei, sua família e toda a corte se reuniram na sala imperial: avisava Jaquel que o reino estava todo cercado e que a invasão não tardaria. E dizia que somente havia uma forma de todos não serem dizimados: era o rei entregar a mão de sua filha, a Princesa Sara, a Jaquel. Assim se fazia a posse pacífica do reino e ele seria preservado.
Muitas foram as lágrimas naquele momento terrível. A pobre princesa, vendo assim selado seu destino, mal ergueu a voz ou os olhos. Vivera até ali toda a beleza da sua despretensiosa juventude, e se a morte por morte viria, então que fosse salvando as vidas de seus súditos. Assim em poucas palavras falou ela aos ouvidos do pai, quando este ainda tentava resistir ao destino.
Viu o rei Hélio o coração de realeza que havia em sua filha. Era rei também e sabia o que devia fazer.
Naquele dia, o sol não apareceu com suas cores sobre o reino...
Sara então esperou a noite chegar. Desceu devagar a escada de ciprestes que ia da janela de seu quarto até o chão e, com os pés descalços em meio à relva úmida da noite, correu rápida pelas árvores de Coa Cores até chegar à grota mais úmida e escura das nascentes.
- Undeclo! – chamou a pobre, já de joelhos sobre as pedras.
Silêncio. Nenhuma resposta a seu apelo.
Ainda chamou Sara muito pelo bruxo. Chamou até ficar sem voz - então chorou desesperada até não suportar mais. Seu coração já não tinha mais esperanças quando, de repente, um sussurro de vento moveu seus cabelos.
- Venha...
A voz chamava para dentro da gruta. Sara não hesitou e com as forças que ainda lhe restavam, entrou sem medo pela caverna escura.
De repente, milhares de seres iluminados, minúsculos, começaram a aparecer e dar forma e luz a seus passos. Um vento envolveu seu corpo e seus pés, - então sentiu que eles não tocavam mais o chão: uma leve nuvem conduzia-a pela trilha de luz dos serezinhos. Subitamente sentiu que seus ombros eram aquecidos por um manto de flores trazido por dezenas de libélulas. A nuvem de ventou ergueu-a bastante, até colocá-la sobre um assento de pedras recoberto por flores. Os seres iluminados coloriam a capela da gruta, formando danças coloridas que enfeitiçavam seus olhos. De repente, a voz de vento fez-se ouvir:
- Sara...águas calmas de amor, águas turvas de dor... Seu coração é água...
A Princesa acordou de repente, já em seu quarto. Teria sido um sonho? Aquelas palavras não saíam de sua mente...!
Era já o outro dia e o exército de Jaquel a aguardava. Seu coração estava cheio de uma coragem que nunca havia sentido. Preparava-se sua ida para depois dos primeiros raios que coassem pelas árvores. A Princesa não se abalava nem mesmo com as lágrimas do reino e dos pais, que estavam a seu lado a todo momento. “Águas calmas de amor, águas turvas de dor. Seu coração é água...”
Havia algum segredo naquelas palavras. Mas qual...? O tempo passava...
O dia caiu rápido e quando os portões foram abertos, Sara então estremeceu. Milhares de soldados raivosos, liderados por um cavaleiro embrutecido, aguardavam sua ida. Atrás de si o reino chorava. As palavras repetiam-se em seus ouvidos quando de repente, uma libélula passou, rápida, e desapareceu carregando seus olhos. Ela então ergueu a visão: o exército inteiro... do lado direito o rio Nates... do lado esquerdo o rio Mylos. Sara ergueu os braços:
- Águas calmas de amor... Águas turvas de dor... Meu coração é água.... é água... – sua mente iluminou-se: Que vai por onde eu for!!
Um ruído assombroso foi ouvido. Uma chuva forte começou sem razão e os rios, calmos e tranqüilos, começaram a encher-se subitamente. O exército comprimiu-se entre as águas, que subiam sem controle. O céu escureceu. Jaquel, imóvel, olhava a Princesa de longe. As águas dos rios começaram a fechar o círculo em torno do exército; ondas ergueram-se e, como ferozes línguas, carregaram para o fundo das águas os audazes guerreiros.
Pouco tempo durou o terrível espetáculo e, quando as águas furiosas dos rios voltaram ao seu leito, todo o exército havia sucumbido.
O reino quedou pasmo diante da cena. E mais ainda se assombrou quando viu, ao lado da Princesa, ainda imobilizada em seu transe, a figura de um exército de luzes que caminhava em direção às águas dos rios e sumia – os ancestrais de Sara não a abandonaram.
Dizem que quem passa perto dos rios hoje é capaz de ouvir um sussurro de vento. As palavras são ininteligíveis, mas alguns dizem sentir uma inexplicável força que vem daquelas águas: uma força mágica, vinda das profundezas do mundo, que transita em cada se vivo em forma do líquido milagroso. É a voz do mago Undeclo, capaz de ressurgir o exército de luz para proteger nossa essência mais pura, sem a qual a vida não existe.

Cidades invisíveis

Poema que fiz depois que li Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino:




Invisível




Imaterial
Invisível linha
Desce do além
Para onde vai
A voz que caminha

Cidade oculta
Em círculos
Concêntricos
Refletidos no mar
Em superfície silêncio
Contornos idênticos



Cidades sensíveis
Voz do viajante
Que descreve
Os diálogos do rei
O império infinito
Que lhe serve

Nave voz
Barca palavra
No porto dúvida
Da linha invisível
Entre a teia idéia
Da renda que sustém
O indizível

Cidades invisíveis
Erigidas no mapa
De verdades perdidas
Sonho imperial
Concreto de sedução
Das palavras fadas
Entre a janela e o umbral


(4/12/2007)

Recontando conto

Lá vai um conto que escrevi para o curso que fiz.

Ana

Ela dizia que era gótica. Por isso andava sempre com roupas esquisitas. Também tinha outra marca: uma capa, do tipo chapeuzinho vermelho, cujo capuz, preto e alongado na nuca, às vezes escondia seu perfil, deixando somente a ponta de seu nariz à mostra.
Não sei bem como a conheci. Acho que ainda era moleque. Eu vivia nos cantos. Na escola eu era o esquisito. Não sei por quê. Eu viva sozinho porque não gostava dos outros meninos. Conversa fiada. As meninas eram umas idiotas, não conseguiam falar outra coisa que não fosse dos meninos.
De alguma forma, sem que eu percebesse, ela entrou na minha vida. Eu ia à escola e ela, de repente, estava do meu lado. Conversava comigo sobre várias coisas. Às vezes recitava uns poemas longos. Aquilo me dava sono, mas também me embalava. Eu ficava tonto, meio abobado, e ela me guiava. Sua mão era sempre fria.
Seu rosto era pálido. Disso eu me lembro bem, porque quando perguntei por que ela não tirava aquele raio de chapéu, ela me respondeu que tinha um problema de pele. Algo estranho: não podia tomar sol. Fiquei intrigado e ela riu. Seu sorriso era um diabo de bonito, mas acontecia pouco.
Uma vez, cheguei a vê-la em casa. Ou melhor: da janela. Achei que ela me seguira. Achei até que estava interessada em mim, mas não pensei mais nisso. Não queria saber de ninguém, porque não achava que fosse dar conta. Gostava só de suas aparições assim meio repentinas, quando eu estava distraído. Uma vez, no sofá de casa, eu tive a impressão de vê-la, mas não era nada, só a cortina que balançava. Naquela noite, eu estava também baqueado. Queria entrar na escola da aeronáutica, estudava que nem um condenado e às vezes pirava. Caía em cima dos livros, despertava no meio do nada, tinha sonhos doidos.
Naquele ano também aconteceu uma coisa esquisita. Eu tinha que operar os olhos, porque senão não passava no exame físico. Era cirurgia simples, corretora. Fiz. Por um tempo fiquei enxergando embaçado e via a imagem dela em todo lugar. A verdade é que Ana, esse é seu nome, não me visitava havia muito tempo, e eu sentia uma saudade esquisita. Uma falta absurda de suas conversas e seus poemas cheios de coisas que eu não entendia.
Passei na prova, passei no exame, saí de casa e me arrependi. Aquilo não era vida: estudar e sofrer na mão daqueles militares. Só uma coisa me ajudava. Eu via Ana. Aceitava já a essa altura que ela estivesse no meu quarto, me esperando, quando a noite chegava. Aceitava também já que ninguém mais a via. Aceitava também que ela sorria mais por aquela época.
Colei grau e lá estava ela, sentada no fundo da sala. Estava linda – seu rosto claro brilhava lá no fundo, sua boca vermelha também e, pela primeira vez, consegui vê-la sem aquele capuz horrível. Era apenas Ana.
De alguma forma, a vida militar se impregnou em mim. Eu era sozinho de pessoas do mundo, pois me bastavam as visitas de Ana. Ganhei distância de meus pais por causa das tantas viagens que fazia e, num ambiente daquele, pode-se fazer uma amizade aqui, outra ali, mas nada duradouro. Também era considerado estranho pelos colegas. Só não o era para meus superiores.
Eu fiz carreira rapidamente. Eu gostava de voar e o fazia bem. Era uma “curva fora da linha”, como diziam, e eu confesso: algumas coisas sabemos fazer como ninguém.
No ano em que a guerra veio, meu nome estava no topo da lista. Meu avião tinha missões certas, cirúrgicas. Era meu dever, eu sabia. Nada tinha sido uma escolha ingênua na minha vida. As bombas que eu carregaria tinham endereço certo.
Talvez tantas certezas pudessem ter eliminado o nervosismo que residia em meu corpo – mas nada me acalmou mais que a voz constante de Ana em minha mente, sua presença fria e permanente ao meu lado.
O dia em que limpei do mapa minhas primeiras vidas foi memorável. Doloroso, sentido, mas memorável. Sabia que Ana estava orgulhosa. Naquele final de tarde, encontrei-a sentada em minha cama. Ela ergueu-se:
- Vamos indo. Ainda vou trabalhar a noite inteira no Iraque, meu rapaz.
Não tive dúvidas. Aceitei sua mão fria. Alguns destinos são certeiros como bombas de guerra – não há que se fugir deles.

Reciclando comportamentos

Recebi uma revista esses dias e, junto com aquela papelada que vem no plástico, ganhei uma cartilha sobre comportamento sustentável. ...E quando comecei a ler as informações, imediatamente me lembrei de minha avó.
Algumas pessoas que, como eu, convivem com idosos lúcidos na faixa dos 80 anos podem não estranhar o fato. Mas outras podem até se perguntar o que uma pessoa nessa idade tem a ver com um assunto assim tão atual.
A resposta a essa questão é simples. Pessoas como minha avó viveram numa época muito diferente da nossa. Coisas que hoje fazem parte da nossa vida, como água corrente na torneira, foram novidades que elas vieram a conhecer junto com seus netos. Água, portanto, sempre foi um luxo. Desperdício de água era um conceito que não existia. Lembro que ela, quando ia lavar a louça, separava um fundo de água numa vasilha e passava todos os pratos antes, tirando os restos de alimento. E aquela “agüinha” com restinhos de comida era usada para “dar um gostinho” na comida dos cachorros.
A água limpa que gotejava era disciplinadamente recolhida e usada na descarga de urina. Os restos orgânicos eram lançados num canto do quintal para virar esterco. Aliás, desperdício de alimento era símbolo de incompetência ao se administrar a casa. E olha que, na memória mais antiga que tenho dela, os filhos já eram crescidos, portanto ela vivia apenas com meu avô em casa – duas pessoas. O que dizer de quando raspo algum resto de alimento no lixo com a desculpa de que em casa somos só dois e sobra, mesmo? Na dela, tudo sempre foi reaproveitado e transformado.
Muito antes de se falar em reciclagem, ela usava embalagens plásticas ou de vidro com uma disciplina impensável nos dias atuais. As vasilhas dela, assim como panelas e outros objetos, têm personalidade própria e história. Pote de sorvete, então, era um fetiche – se emprestasse e não devolvesse, era bronca na certa!
Algumas pessoas podem até pensar que esses hábitos comprometiam os conceitos que hoje temos de higiene. Pois o engano é grosseiro! A casa dela sempre foi de uma limpeza invejável... A idéia de reaproveitar está intrinsecamente associada à de limpeza.
E quando a era dos “reciclas” veio, ela mais do que se sentiu em casa. As famosas embalagens PET se transformaram em dezenas de coisas – vasos de plantas, enfeites, apoios de outros objetos... enfim, uma infinidade de usos. Papéis de presente também sempre foram um estímulo à imaginação: bem guardados, viravam depois cobertura para prateleiras, com simpáticos “bordadinhos” de picote. Outra diversão dela era pegar as caixas de remédio e fazer casinhas, igrejinhas e cidades inteiras, berços em miniatura e caminhas de caixas de fósforo para a gente poder brincar.
Tudo, tudo, tudo sempre foi reaproveitado.
Agora penso de novo na cartilha. Sem dúvida, as idéias que estão ali são excelentes. Mas não são novas. Renovam seu ciclo nos dias de hoje assim como tudo na natureza – são boas idéias recicladas.

domingo, 24 de maio de 2009

Microconto dominical


" Hora: do Fantástico.
Fome: do Faustão.
Assunto: resumo da novela; tragédia: a próxima, antes da outra e após aquela.
Perspectiva? SEGUNDA-FEIRA."