segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Apuros que passei por causa de José Cândido de Carvalho


Acho que poucos autores brasileiros são tão deixados de lados como o Zé Cândido.
O cara realmente é de-mais!!!!!!
Começa que ele tem um talento muito especial: humor na escrita. Já vi humor no teatro, na internet, na tv... mas boa literatura, sob uma linguagem de primeira, e realmente de rolar de rir - isso é só com ele mesmo.
Tenho o costume de carregar o livro que estou lendo para todo canto e, quando li O Coronel e o lobisomem, cheguei a passar apuros, pois não é em todo lugar que você pode dar uma gargalhada ou ficar com cara de riso.
Fiquei decepcionada quando vi o filme. A alma da história está na linguagem e na ingenuidade do coronel Ponciano de Azeredo Furtado, o que foi feito de forma muito rasteira na filmagem da obra. O Diogo Vilela, a despeito da qualidade de tudo o que faz, não ficou bem no papel.


Minha paixão pelo Zé Cândido ficou mais séria quando li um livro dele que, na minha opinião, é muito prejudicado pelo título. Chama-se "Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon". É um nome esquisito demais e que acaba arredondando para baixo o conteúdo.
Acabei comprando esse livro na Siciliano do shopping num dia meio sem inspiração. Quando chego por lá, sempre "passo em revista" as prateleiras do fundo, porque as ilhas ali da frente são meio manjadas. Peguei esse livro por obra de um sopro de anjo (dizem que os anjos vivem nas bibliotecas... pode ser que algum tenha gostado da livraria do shopping), li as primeiras páginas e aconteceu de novo: comecei a rir que nem doida, agarrei no livro, olhando meio de lado, como se tivesse medo que alguém quisesse levá-lo de mim! Paguei trinta e poucos reais e foi pouco pelo tanto que ele me divertiu.

Quem acabou pagando o pato foi o Rafael, porque eu andava pela casa atrás dele, lendo as historinhas do livro.
Mas ele acabou gostando.
Para quem quiser uma palhinha, o site Releituras tem um cantinho dedicado ao Zé Cândido. Vou reproduzir abaixo um conto que está lá:

Tatão, o esquartejador

José Cândido de Carvalho

Era domingo que pita cachimbo e Tatão Chaves aproveitou para pedir Lili Mercedes, mestra de letras, em casamento. A cidadezinha de Monte Alegre, sabedora da novidade, botou a cabeça de fora para presenciar Tatão em cima das botinas de lustro e por baixo dos panos engomados. Para avivar a coragem, Tatão bebeu, no Bar da Ponte, meio dedo de licor, coisinha de aligeirar a língua e aromar a boca. Como achasse o licor educado demais, mandou cruzar a bebidinha com cachaça de fundo de garrafa. E recomendativo:

— Daquele parati mimoso que até parece flor de jardim.

De talagada em talagada Tatão perdeu a mira da cabeça. Embaralhou o pedido de casamento com negócio de disco-voador, imposto de renda e busto de moça. A essa altura, gravata desabada e camisa fora da calça, Tatão preveniu:

— Sou o maior dedilhador dos desabotoados das meninas já aparecido em Monte Alegre. Sou Tatão Chupeta!

Gritava que era monarquista, que era a favor da escravidão e que o prefeito de Monte Alegre não passava de uma perfeita e acabada mula-sem-cabeça. E para arrematar, ganhando a porta do Bar da Ponte, garantiu:

— Só queria que aparecesse neste justo instante um boi cornudo para Tatão esfarinhar o chifre do sem-vergonha a bofetada!

Nisso, um boizinho desgarrado apontou na esquina da Rua do Comércio. Tatão cumprindo a promessa, armou o maior soco do mundo. E atrás do soco saiu Tatão, atravessou a Praça 13 de Maio, entrou no Mercado Municipal, desmontou duas barracas, esfarelou um comício de tomates e só parou no Açougue Primavera. E meio adernado sobre um quarto de boi que sangrava em cima do balcão:

— Soco de Tatão é pior que canhão de guerra. Mata e esquarteja!

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